Por Juliana
Bastou uma pergunta na primeira colorida loja de doces e bebidas de Paraty. “O alambique da Maria Izabel está aberto para visitação?” A resposta veio em forma de número de celular: é preciso verificar com antecedência se ela está em casa para receber os curiosos turistas.
Entre o emblemático rótulo da garrafa e a personificação da dona da única cachaça da cidade produzida artesanalmente do início ao fim, a imaginação corre. Como seria essa mulher?
Depois de 5km na estrada, um trecho de terra batida em meio à vegetação e duas bifurcações, alguns carros estacionados indicam a chegada ao destino. Não há registro de portões. Apenas fica na memória um encantamento desde o início com a paisagem que se forma. À esquerda, o maquinário dentro de uma pequena construção de madeira denuncia o engenho. Bem abaixo, outra construção que mais lembra um sítio recebe algumas cadeiras e mesinha rústicas no gramado brindado pelo mar de Paraty. Entre as duas, algumas grandes janelas e a porta encostada mostram o caminho de bom papo e risadas.
Cabelos compridos pretos e brancos se ajeitam numa longa trança deixada de lado. A barra da calça dobrada mostra os pés descalços, apesar do dia frio e úmido. Sentada numa roda entre brasileiros e estrangeiros, Maria Izabel explica pacientemente a diferença das cachaças que ela mesma engarrafa. A voz suave e doce, o sorriso sereno e a paz transbordada a cada palavra conquistam no primeiro contato: quem passa por aquela porta está fadado a sair com brilho nos olhos.
O pequeno grupo se dissipa para dar vez a nossa ansiedade. Izabel caminha descalça nos levando em seu engenho e explica, pausadamente, o processo de fabricação que repete há 16 anos. Fico imaginando quantas vezes ela já repetiu aquele passo a passo, com respostas simples e bonitas às mesmas dúvidas e curiosidades. E, mesmo assim, recebe com alegria e prazer os que também demonstram um prazer sem igual por lhe encontrar pessoalmente. Com a ajuda de poucos funcionários, ela mesma cuida do corte da cana que cresce em sua propriedade, produz o fermento e, deitada numa rede, supervisiona o processo de destilação no alambique.
Rodeados pelos barris onde a bebida é armazenada – nada é engarrafado em menos de um ano – descobrimos que a linda imagem do rótulo foi produzida pelo designer australiano Jeff Fisher, presente da então vizinha Liz Calder, editora inglesa idealizadora da Flip. Corações desenhados pelas mãos de Izabel em alguns barris indicam safras pra lá de especiais.
Maria Izabel, não sei o sobrenome, mas é daquelas pessoas que a gente pensa que já conhecia. Diferente da velhinha gordinha e bonachona da minha fértil imaginação, mas extremamente similar à imagem de mulher forte e sensível que desde o começo se formou. Quem hoje em dia passa o número do celular para desconhecidos e diz “Pode vir, estou em casa.”?
Um ser humano capaz de flutuar pelas lembranças dos pouco mais de 60 anos de vida com a leveza de poucos. Conhecedora do que faz, orgulhosa do passado e capaz de assumir as agruras da realidade e escrever a própria história. Enquanto oferece as variações de cachaças para nosso deleite, degustamos também um pouco dos fatos que a fizeram estar ali. Maridos, filhos, ideias, conquistas, tristezas. Da boca de turistas ávidos das grandes cidades, uma pergunta clichê: “Você nunca pensou em exportar?”
E a resposta à altura: “Muito trabalho. Prefiro cuidar do que é do meu tamanho. Tenho minha casinha na beira do mar e não gasto dinheiro com sapato. Cachaça, quando bebo, quero que seja boa. Então eu mesma faço.” Uma leve risada acompanha.
Poderia não ser a cachaça, mas jamais deixaria de ser a inesquecível Maria Izabel e sua voz calma e doce, capaz de fazer os olhos brilharem com a simples lembrança de quem um dia esteve lá e fez um pouco parte do mundo dela.